A velha máxima do "menos é mais" está se tornando cada vez mais intrínseca na música pesada. Certamente, muitos já ocasionalmente se depararam com alguma one-man-band em algum momento, ou mesmo bandas de sonoridade completa, mas que, quando vai ver, apenas dois membros as integram.
Dependendo do caso, menos é mais. Mais qualidade. Mais objetividade. Mais coesão... No caso do austríaco Rusty Pacemaker, menos é mais melancolia - o que é totalmente compatível com nossos momentos de tristeza: sempre solitários.
É na desolação de um trabalho solitário e persistente que esse multi-instrumentista trabalha, não apenas dando vida à sua própria one-man-band, nomeada com seu pseudônimo e genericamente calcada no Doom e no Progressive, mas também carregando nas costas seu próprio selo, chamado Solanum Records, por meio do qual ele faz o corre de divulgação de seus trabalhos.
Nascido em Lanzenkirchen no ano de 1974, Rusty Pacemaker é íntimo da música pesada desde a infância, e sua paixão por bandas como Black Sabbath e principalmente Bathory (em especial a figura de Quorthon) alimentou fortemente seu interesse em compôr canções e apresentá-las ao mundo. Autodidata, o austríaco começou a criar riffs tão logo dominou o violão e a guitarra. Seu aprendizado no contrabaixo e no vocal veio da consequente necessidade de dar encorpamento completo às canções que criou - eram os primeiros passos do que viria a se consolidar como seu próprio projeto musical.
As composições para a banda começaram oficialmente em 2003, um tempo muito cedo quando se leva em conta que o álbum de estreia seria lançado apenas sete anos mais tarde. Contudo, são justos os motivos de tanta demora: Rusty não tinha equipamentos de qualidade suficientes para registrar gravações decentes. A princípio, compôs cinco músicas em rústicas versões demo. Mesmo com a pouca qualidade, gostou do resultado, e o destino o presenteou com o novo amigo Franz Löchinger, cujas habilidades profissionais na bateria viriam a ser de muita utilidade ao compositor, já que Franz se pôs à disposição para gravar as linhas de bateria do futuro disco.
O fato da banda tomar contornos mais definidos incentivou Rusty a compôr mais cinco músicas para completar um álbum e a lentamente investir na montagem de seu próprio estúdio - daí a demora para finalmente lançar as 10 faixas. Eventualmente o White Studio (como foi batizado) ficou pronto e as gravações começaram em 2009. Todo o processo produtivo, incluindo mixagem e masterização, aconteceu ali mesmo, de forma independente, e foi finalizado em 2010. Dali era só um pulo até o dia 20 de outubro chegar, trazendo consigo o debut "Blackness and White Light", lançado através do recém-fundado selo Solanum Records!
Se observar bem, a primeira coisa que chama a atenção é a capa. Familiar, não é? Não é pra menos! Ela retrata Rusty em frente à mesma casa imortalizada na capa do primeiro álbum do Black Sabbath, lá em 1970. Ela é situada em Oxfordshire, na Inglaterra, à beira do rio Tâmisa. Tal referência já provoca uma positiva reação para ouvir o trabalho.
Certamente, trata-se de um álbum homogêneo, constante e sentimental. Ele reflete com facilidade as influências mais básicas em Rusty Pacemaker como músico, mas também exibe um forte toque de autenticidade. É possível sentir como cada música é pessoal, o que faz o ouvinte se sentir presente dentro de seu melancólico universo.
A produção é muito boa, embora os conhecidos toques de uma gravação independente se façam tangíveis, principalmente no que diz respeito à captação dos crespos riffs de guitarra, que inclusive parecem um pouquinho deslocados na mixagem em relação aos demais instrumentos - sem causar desconforto, ainda assim.
Após a imersão na atmosfera do álbum, tão logo a sintonia mental com a musicalidade é estabelecida, nota-se a suave competência do austríaco nas composições. Com extrema naturalidade, a musicalidade passeia por estilos como Doom Rock/Metal, Folk Rock e Progressive Rock, sempre sustentados pela soturna aura de um triste Atmospheric Rock, acrescentando ainda rapidamente em alguns trechos elementos de Black Metal nos riffs de guitarra. Toda essa combinação é graciosamente suave, soando como uma coisa só, o que confere a mencionada homogeneidade.
Aliás, suave também são as músicas em si. O trabalho é bastante calmo, sem momentos de clímax. Você chega a pensar que as músicas ascenderão para trechos de maior porrada, mas elas se mantém como foram feitas para ser: deprimidas. Os riffs de guitarra são lentos, a bonita e bem encaixada exploração de violão deixa tudo ainda mais fúnebre... os solos de guitarra são longe de ser exibicionistas ou mirabolantes, mas cumprem impressionantemente bem o papel de preservar a ambientação das canções, já que não converte o andamento em algo mais melódico e deslocado. O limpo e suave vocal de Rusty completa toda essa melancolia apostando em linhas lentas, cantadas com notável pesar, tristeza, sentimentalismo. Ele não se mostra um grande vocalista, mas soube explorar sua própria voz e frequentemente a duplica digitalmente, encorpando a cantoria, até porque suas cordas vocais não produzem uma voz volumosa.
Sem dúvidas, num contexto geral, o trabalho é excelente à sua soturna e simples, porém efetiva maneira, e ainda, de brinde, traz a bela voz de Lady K nas faixas "Amok" e "Mother", cantando da mesma lúgubre forma que Rusty. Inclusive, ela também é a fotógrafa da capa.
A qualidade da produção de "Blackness and White Light", embora seja boa mesmo com as limitações, não agradou completamente ao músico. Por isso, após o lançamento, ele aplicou mais investimentos para tornar o estúdio ainda melhor, ocasionando sua completa reconstrução.
Em 2011, ainda em meio à divulgação do debut, Rusty Pacemaker já começou as composições para o segundo álbum, que seria intitulado "Ruins". A pré-produção foi concluída em 2012, porém, as canções não apresentavam solos de guitarra, uma vez que o músico visava criá-las apenas durante as gravações para que conferissem um ar de espontaneidade a elas.
O processo de gravação foi feito em partes, devagar, exceto pela bateria. Todos os instrumentos e vocais foram gravados entre 2012 e 2014 no White Studio, enquanto a captação das linhas de bateria foram concluídas em apenas um dia no Udio Media Studio, em Viena, capital austríaca. Novamente, Franz Löchinger ficou responsável pela gravação do instrumento, contando agora com o apoio do engenheiro de som Norbert Leitner. A mixagem e masterização, por sua vez, ficaram a cargo de Markus Stock em seu recinto, o Klangschmiede Studio E.
Ao fim de todo o processo, só faltava mesmo o lançamento de "Ruins", que aconteceu assim que o dia 22 de maio de 2015 chegou.
É muito interessante como percebe-se amadurecimento desde os primeiros acordes, bem como o avanço no quesito "produção". As reformas no White Studio trouxeram enorme vivacidade e limpidez à sonoridade, que agora sim soa plenamente profissional. "Ruins" mantém em grande parte aquilo que foi iniciado em "Blackness and White Light", porém, com mais desenvoltura e menos transitoriedade entre gêneros similares.
Digo, se o debut soava algo mais puxado para a linha do Rock, o segundo registro é mais voltado para o Metal - e essa não é uma impressão subjetiva devido à elevação de qualidade produtiva. É que, de fato, a musicalidade está mais pesada, calcada num Doom Metal banhado a Depressive Metal que chega lembrar aos primeiros discos do Katatonia com Jonas Renkse cantando limpo. Abandonou-se a levada atmosférica, mas houve ganho de energia nas músicas, sem que isso signifique necessariamente deixarem de ser melancólicas. Elas chegam a ter ápices, momentos de maior intensidade, onde o peso acompanha a maior entrega vocal. E por falar em vocal, Rusty segue cantando de forma arrastada, invariavelmente apostando em pesarosos tons médios, com raras elevações ou declives. Embora a escassa variação de notas vocais do músico não seja exatamente algo negativo (já que combina com a energia negativa exalada pelos instrumentos), a nova participação de Lady K nas faixas "Night Angel" e "Ocean of Life" traz novamente um compatível e bem-vindo escape aos ouvidos por se tratar de uma belíssima voz com grande capacidade de aguçar a aura imersiva. É prazeroso ouvi-la cantar.
O trabalho instrumental ganhou encorpamento e parece menos simples do que no primeiro disco. Interessantes arranjos foram produzidos e os solos de guitarra continuam bastante explorados, sempre mantendo a proposta de soarem tão lúgubres quanto o estilo exige. As linhas de bateria, inclusive, estão bem melhores, e passagens de violão complementam com sagacidade o clima triste e invernal. Todo o conjunto de fatores gerou, novamente, um disco de qualidade e imersivo. Poderia ser mais atmosférico só pra sugar ainda mais o ouvinte, mas a postura um pouco mais seca não prejudicou os evidentes avanços obtidos por Rusty Pacemaker em todos os aspectos. A sensação final é de um trabalho superior ao primeiro.
Os discos do austríaco são muito recomendados para quem gosta de fazer uma viagem consternada pra dentro de si mesmo enquanto ouve. Claramente, a banda ainda não madurou completamente, não está no auge. Tem mais a oferecer no futuro, precisando caminhar ainda mais para receber o merecido destaque nesse pouco explorado ramo, mas isso não tira o brilho positivamente opaco da entorpecente musicalidade construída, nem seu potencial de agradar a fãs de Bathory, Novembers Doom, Katatonia e outras bandas que transitam mais ou menos nessa linha.
| Bandcamp | YouTube Channel |
IMPRENSA & MERCHANDISING:
E-mail: rustypacemaker@aon.at
Assessoria de Imprensa: Solanum Records
E-mail: rustypacemaker@aon.at
Blackness and White Light (2010)
01 - Cell
02 - You Never Had
03 - My Way
04 - Amok
05 - Waiting For Tomorrow
06 - The Human Race
07 - My Last Goodbye
08 - Blackness and White Light
09 - Revolution
10 - Mother
Ouvir (Bandcamp)
01 - Ruins
02 - Made of Lies
03 - Ocean of Life
04 - The Game
05 - Night Angel
06 - Candlemess
07 - Forever
08 - Matter Over Mind
09 - Knowing
10 - Pillow of Silence
Ouvir (Bandcamp)
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